sexta, 18 de abril de 2025
Geral
13/03/2025 | 10:38

O gargalo portuário no Brasil: como a falta de infraestrutura impacta a competitividade e aumenta os custos do comércio exterior

Por Daniela Marques
 
Não é de hoje que as empresas que atuam no Brasil e dependem do comércio exterior para as suas operações enfrentam inúmeros desafios, que colocam em xeque a continuidade de suas atividades. Recentemente, foi enfrentada a grande crise dos preços de frete, que hoje ficou um pouco desvanecida diante da crise de infraestrutura enfrentada pelo sistema portuário brasileiro, agravada no ano de 2024, que tem gerado prejuízos significativos às empresas. 
 
Com 8.500 quilômetros de costa e uma posição geográfica privilegiada, o Brasil deveria desfrutar de vantagens competitivas no transporte marítimo internacional. No entanto, a realidade revela um cenário preocupante de saturação e ineficiência nos principais terminais de contêineres do país, o que, além de comprometer a competitividade nacional, cria problemas adicionais como a controversa cobrança de detention e demurrage, em circunstâncias em que o próprio congestionamento portuário impede o cumprimento dos prazos acordados para as operações e utilização de contêineres. 
 
O esgotamento da capacidade operacional dos portos brasileiros se manifesta em múltiplos indicadores que afetam diretamente o desempenho logístico do país. Os principais terminais de contêineres, localizados em Santos, Paranaguá, Rio de Janeiro e Itajaí, operam rotineiramente com taxas de ocupação média de 80%, quando o ideal para operações eficientes, segundo estudos internacionais, seria de no máximo 65%. Esta sobrecarga sistemática resulta em tempos de espera elevados para atracação de navios, particularmente em períodos mais críticos, como os de escoamento de safra agrícola, quando os congestionamentos atingem níveis alarmantes. Segundo dados da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), estes atrasos representam custos adicionais estimados em US$ 300 milhões anuais para a economia brasileira.
 
O impacto econômico deste cenário para as empresas brasileiras é multidimensional e profundo. Estudos da Confederação Nacional da Indústria (CNI) indicam que os custos logísticos no Brasil representam aproximadamente 12% do PIB, contra 8% em países com infraestrutura mais desenvolvida, sendo grande parte desta diferença diretamente relacionada às ineficiências portuárias, o que gera uma significativa perda de competitividade internacional. 
 
Além disso, a incerteza quanto aos prazos de recebimento de insumos obriga as empresas a manterem níveis de estoque mais elevados, aumentando custos financeiros e reduzindo eficiência operacional.
 
Particularmente grave é o impacto para setores que operam com modelos de produção just-in-time, como o automotivo e o eletroeletrônico. Para estas indústrias, atrasos na chegada de componentes importados podem resultar em paralisação completa de linhas de produção, gerando prejuízos que facilmente atingem milhões de reais por dia de interrupção. Empresas de diversos segmentos relatam que a imprevisibilidade logística dos portos brasileiros constitui um dos principais fatores limitantes para seu crescimento e internacionalização.
 
Além do atraso para a atracação dos navios, diversos outros problemas são gerados pela crise de infraestrutura portuária, como omissões de embarque, omissões de escala, transferências de embarque para navios diferentes dos inicialmente acordados, em data também diferente, e, ainda, estrangulamento dos terminais que impede, inclusive, a movimentação interna dos contêineres.
 
Neste contexto de ineficiência sistêmica, destaca-se uma questão particularmente controversa: a cobrança de detention e de demurrage, que são taxas cobrada pelos armadores quando não há o cumprimento do prazo previamente acordado de utilização dos contêineres, estipulado após a descarga ou antes do embarque, representa um ônus adicional significativo para empresas que já sofrem com os efeitos do congestionamento portuário. 
 
O paradoxo central reside no fato de que, frequentemente, o atraso na devolução dos contêineres não é causado pelo importador ou exportador, mas sim pelo próprio congestionamento do sistema portuário brasileiro. Terminais superlotados frequentemente não disponibilizam janelas de agendamento para devolução de contêineres vazios dentro do período de free time. Além disso, armadores e terminais comumente impõem restrições ao recebimento de determinados tipos de contêineres em períodos específicos devido à superlotação de pátios. Não é incomum que empresas tentem devolver contêineres dentro do prazo contratual, apenas para descobrir que não há disponibilidade de agendamento ou que o terminal está recusando recebimentos temporariamente.
 
Além disso, por falta de janela de embarque, causada pelo estrangulamento dos portos, que, consequentemente, gera atrasos nas viagens programadas, são realizadas diversas cobranças indevidas de detention, o que aumenta o custo operacional das empresas que operam no comércio exterior.
 
Diante deste cenário desafiador, empresas brasileiras têm buscado desenvolver estratégias para mitigar os impactos negativos do esgotamento portuário. Uma prática cada vez mais comum é a documentação sistemática de todos os trâmites, como atrasos, mudanças de embarques, tentativas de agendamento e eventuais recusas de recebimento de contêineres, criando evidências para contestação posterior de cobranças indevidas. Empresas mais experientes têm também buscado incluir nos contratos de transporte cláusulas específicas que prevejam exceções ao pagamento de taxas em casos de congestionamento comprovado, embora o poder de negociação frente aos grandes armadores internacionais seja frequentemente limitado.
 
Do ponto de vista do setor público, a resolução estrutural do problema exigiria medidas em múltiplas frentes, como por meio da atuação da ANTAQ, de modo a oferecer maior segurança jurídica para importadores e exportadores. Além disso, investimentos substanciais em infraestrutura portuária são essenciais para reduzir os congestionamentos crônicos.
 
O esgotamento dos portos de contêineres no Brasil representa, portanto, um desafio multidimensional para a economia nacional, cujos efeitos se estendem muito além dos custos diretos mensuráveis, o que compromete a competitividade do país no cenário internacional. 
 
Daniela Marques é graduada em Direito pela UFPE, pós-graduada em Direito Tributário pela Escola de Direito de São Paulo da FGV e em Direito Tributário Internacional pelo IBDT

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