sábado, 20 de abril de 2024
Geral
17/01/2020 | 10:58

Itajaí está mais triste. Morre aos 93 anos Irene Lopes Ramos, de causas naturais

Toda a sua dedicação e cuidado com os portadores de necessidades especiais, a coragem de há 50 anos enfrentar uma sociedade preconceituosa e sua determinação em manter-se à frente da instituição nos períodos de maior dificuldades incluiu seu nome na história da educação em Itajaí.
 
História marcada pelo altruísmo
 
Irene Lopes Ramos aportou em Itajaí em meados da década de 1940, após seu casamento com Osny Ramos, filho mais velho do visionário Antônio Ramos, um dos mais proeminentes empreendedores da época. A jovem casou-se assim que concluiu o ginásio, hoje ensino fundamental, no Rio de Janeiro [que naquela época ainda era capital da República]. Veio para Itajaí e aqui concluiu seus estudos por meio de um supletivo clássico. Nunca cursou uma universidade porque seu marido achava desnecessário. Porém, sempre teve professores particulares. Tanto é que tinha fluência em inglês e francês.  
 
E não foi a falta do ensino superior que fez com que Irene seja reconhecida como um dos ícones da educação na cidade. Só que em vez da tradicional alfabetização, Irene fez muito mais: dedicou-se de corpo e alma à educação especial. Foi essa visionária que em 1969, munida de força de vontade e muito amor iniciou em sua residência o ensino para pessoas especiais. Surge então a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) de Itajaí.
 
Não bastasse a iniciativa de abrir sua casa para os portadores de necessidades especiais, Irene foi mais longe: trabalhou incansavelmente, junto com outras voluntárias, para a aquisição de um terreno para que fosse construída a primeira sede da instituição. Além de ficar à frente da APAE durante todo o processo de construção da sede [muitas vezes usando do prestígio de sua família e de suas relações sociais para obter recursos para as obras], Irene presidiu a entidade por diversas vezes, pois mais do que instalações adequadas para o ensino, os portadores de necessidades especiais precisavam de dignidade. E ela assegurava isso.
 
Inclusive, Irene contou em entrevistas [pesquisadas para a elaboração deste texto] que seu marido chegou a pedir que ela deixasse a instituição, pois as inúmeras demandas, juntamente com as diversas dificuldades que a instituição passava para se manter, não condiziam com aquilo que ele pensava ser aceitável para a esposa. No entanto, Irene manteve-se firme vem seu propósito de ter uma instituição como a APAE em Itajaí, por ter um cunhado, Felix, com necessidades especiais.
 
Irene relatou em certa ocasião que a APAE era um estigma, que ninguém aceitava o trabalho que era oferecido pela instituição por considera-lo sem resultados. “Os próprios pais faziam questão de manter os filhos em casa, porque acreditavam que não havia solução para os problemas apresentados pelo excepcional. Alguns até deixavam as crianças amarradas, para não saírem à rua”, disse, assegurando que naquela época a sociedade era muito preconceituosa e o portador de necessidades especiais era um dos principais alvos.
 
O preconceito e a falta de conhecimento da população com relação as necessidades do portador de deficiências naqueles tempos é reforçado pela declaração de Irene: “tínhamos que ir atrás de famílias que possuíam filhos deficientes, pois poucos pais traziam seu filhos para a APAE.” Aliado a essa triste realidade, a falta de recursos para a manutenção da instituição. “Tudo precisava ser pedido. Não havia auxílio do governo e nem de quem quer que fosse. Fundamos a APAE num momento de euforia, achando que tudo seria fácil, mas não havia dinheiro nem para a alimentação das crianças.”
 
Recompensas
 
Mas a trajetória de Irene frente a instituição também teve seus momentos gratificantes. Entre eles, a conscientização da população e pais com relação a necessidade das crianças especiais frequentarem a APAE e o reconhecimento das famílias com relação as mudanças comportamentais dos alunos após ingresso na instituição. “Formamos também uma equipe multidisciplinar de alta qualidade apontada, inclusive, como modelo em Santa Catarina. Tínhamos um grande atendimento aos pais e às crianças. Chegamos a ter três médicos, terapeuta ocupacional, fisioterapeuta e psicóloga, tudo pago pela escola”, disse Irene em entrevista.
 
A resposta da população e empresariado aos apelos da instituição, a abertura de canais governamentais em esferas local, estadual e federal também foram conquistas da APAE no decorrer de sua história. Porém, na visão de Irene, as maiores recompensas vieram de cada aluno, de cada família. “Na APAE eu vi que não era nada, não sabia de nada, não tinha nada. Aquelas crianças estavam ali sob meus cuidados e o amor que elas me davam, a gratidão dos pais, os sorrisos das mães. O calor daquelas crianças encostadas no meu peito, a vontade delas tirarem fotografias comigo, são coisas que não têm explicação. Se sou a Irene que sou hoje, mais calma, tranquila, realizada, mais humilde, devo às crianças, aos pais e aos técnicos da APAE”, declarou em certa ocasião.
 
 
Fontes:
OLIVEIRA, Geneci de. A cidade de Itajaí, o porto e a empresa G. Miranda Agência Marítima Ltda.: suas inter-relações e o desenvolvimento da região (1970 à atualidade).Tese (doutorado em história) – programa de Pós-Graduação em História - PUCRS. p. 55 a 64. 2018
 
ROTHBARTH, Marlene Dalva. O começo de tudo. Jornal Informativo Especial da APAE, setembro de 1999. P 11.

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