terça, 16 de abril de 2024
Geral
13/12/2011 | 15:17

A maturidade do vestibular

Por José Marcelo Freitas de Luna, professor do Mestrado em Educação da Universidade do Vale do Itajaí (Univali)

Há pouco mais de dois anos, quando do lançamento do então chamado novo Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), eu dei as boas-vindas às iniciativas governamentais que visam à melhoria da qualidade da educação do Brasil. Alertava modestamente, contudo, para a oportunidade de não se anunciar tampouco se adotar a referida forma de avaliação em detrimento do maduro vestibular.

 

Criado em 1911, o exame vestibular completa seu primeiro centenário, tendo, entre seus méritos, o de servir de base para o processo de deselitização do ingresso no ensino superior brasileiro e também para a atividade fundante de outros exames. Como suposto demérito, encontra-se exatamente a crítica, repetida com questionável argumentação, de que o vestibular é fortemente conteudista, estressante, acrítico e dependente de memorização de fórmulas.

 

O fato é que, durante boa parte de sua longa história, o vestibular foi a única forma de seleção para ingresso nas instituições de ensino superior do Brasil - IES. Estas, até os anos de 1980 formadas basicamente por universidades públicas, não conseguiam ter vagas suficientes para atender a demanda dos egressos do que hoje chamamos de ensino médio. A concorrência, portanto, se configurou e se manteve, durante muito tempo, como alta para todos os cursos, o que fez do vestibular um exame mais temido do que a média das avaliações.

 

Embora fosse essa a representação da sociedade e dos vestibulandos em particular, o vestibular era por todos visto como uma grande meta, que requeria planejamento, investimento, perseverança, crença, estudo, muito estudo, enfim. Chegar à meta, passar no vestibular era um grande feito, comemorado por todos em contagiantes e merecidas festas. Tratava-se de entrar em uma universidade, que, se não tinha vagas para todos, fazia um processo seletivo para todos que a ela se dirigiam. Não eram, em geral, exames unificados; visavam, particularmente, os candidatos de cada estado. Não eram exames nacionais; eram formulados e administrados por cada instituição.

 

Se uso o tempo passado para descrever o que significava o vestibular para o nosso país não é para dizer que o vestibular não existe mais. O que faço, ao invés, é apontar para as características mais salientes desse exame, de um tempo em que se apresentava como a única forma de seleção para o ensino superior. Com a expansão e diferenciação desse nível de educação, fenômeno marcante das últimas três décadas, o vestibular deixou de ser a meta de boa parte de nossos estudantes. Isso porque as vagas hoje abundam, chegando a somar um número paradoxalmente maior do que o de egressos do ensino médio. Não há, para a maioria das IES do Brasil, sequer a condição de selecionar seus ingressantes por um exame que possa ser chamado de vestibular.

 

Coincidentemente, (falemos assim, pois não devo, aqui, apresentar dados comprobatórios) a profusão de vagas no ensino superior e o relaxamento no processo de seleção, têm sido acompanhados de perda na qualidade do ensino médio. Há muito o Ministério da Educação – MEC quer fazer intervenções no antigo 2º grau e, de alguma forma, no vestibular. Tal como no ensino fundamental, e muito em decorrência da baixa qualidade dessa base, os alunos do ensino médio vêm apresentando desempenho escolar sofrível. O MEC entende que a solução desse sério problema passa pela reestruturação do Enem e pela sua adoção para ingresso nas IES. O objetivo do governo é garantir que o exame dê conta de conteúdos organizativos do ensino médio e que o faça de forma “inteligente”, avaliando a capacidade analítica dos estudantes e, assim, promovendo mudanças na prática de sala de aula.

 

Quando do lançamento, em março de 2009, a proposta chegou a ser divulgada como substitutiva do vestibular. Sabemos hoje que o MEC o apresenta como uma alternativa, não a alternativa, de processo seletivo. E faz muito bem! A adoção do Enem deve ser flexível. Deixar as IES decidirem sobre o uso que farão do exame é mais do que respeitar a prerrogativa legal que elas têm de fazer os seus próprios seletivos. É, principalmente, considerar que há instituições que já usam o Enem como forma de acesso aos seus cursos. É, também, admitir que há, desde muito, universidades que concebem os seus vestibulares sobre princípios e objetivos comuns ao novo Enem. É, resumidamente, reconhecer que há tantos vestibulares, por assim dizer, como IES, não cabendo generalizações sobre a concepção e o formato desse tradicional exame.

 

Definitivamente, o vestibular é uma verdadeira instituição brasileira, que merece congratulações pela história que ajuda a fazer neste País. Até a sua criação, cursar uma IES era privilégio, basicamente, dos ditos bem nascidos. O vestibular identifica-se com o processo crescente de democratização da educação e, principalmente, com o critério de meritocracia para ingresso nas melhores IES brasileiras. Trata-se de um exame que, por sua longevidade, gera muita experiência para as IES e para todos os envolvidos com educação no Brasil. Essa maturidade, digamos assim, poderá qualificar o bem-vindo novo Enem, da sua formulação à sua aplicação.


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